sexta-feira, 13 de julho de 2012

Zé Carioca

(este artigo esta saindo em breve em lingua italiana no jornal Il Ridotto de Venezia, saiu antes aqui no passarazzi...)

Para ler no Il Ridotto clique aqui: Ze Carioca


Serão as aves inteligentes?
Algumas espécies são capazes de dar voltas na Terra, guiando-se, de alguma forma, por forças telúricas ou talvez pelas “linhas” do campo magnético do nosso planeta.

Mas isso não teria propriamente a ver com inteligência e sim com instinto ou, até mesmo, alguma resposta física involuntária.

Algumas aves, por exemplo, aprendem truques como os cães de circo, condicionados pavlovianamente. Mas algumas espécies, como os papagaios, falam. E falam bem.

 Noutro artigo postado aqui no Ridotto, contei a historia de um galeão que levava do Brasil para a Europa uma preciosa carga: pau-brasil, 3000 peles de onça e 600 papagaios, alguns falavam palavras em francês. Tudo isso anotado no rol de um processo por pirataria para apreciação do Papa.


Várias espécies de papagaios e araras são falantes e reproduzem a língua que lhes for ensinada. Outros psitacídeos também se enquadram na categoria dos bons imitadores, porém a imitação não é muito bem um sinônimo de inteligência e muitas vezes é associada à “macaquice” - o que de certa forma diminui a capacidade mental dos nossos parentes mais próximos: os primatas.

Mas voltemos às aves.
Seriam algumas delas inteligentes?

Apesar de existirem corvos e outras aves falantes, os papagaios parecem ser os mais associados à tagarelice, são os falastrões do reino das aves. Zé Carioca foi um personagem criado por Walt Disney como um tipo brasileiro no filme “Alô Amigos!” -trailler , que contou ainda com Carmen Miranda. 

Contracenando com Donald Duck, o papagaio Zé Carioca consegue falar muito mais do que o famoso pato neurastênico, e tagarela quase todo o tempo em que está em cena. Talvez, por serem tão falantes, os papagaios sejam os mais utilizados por cientistas da linguagem e da cognição nas suas experiências.









Alex
 
Entre as diversas espécies de psitacídeos utilizadas nestes estudos estão os papagaio-cinzentos, ou papagaio-do-congo (Psittacus erithacus), ave africana muito popular como animal de estimação no mundo todo justamente por ser muito falante.

É notória a fama dessa espécie que, ao ouvir um telefone tocar, diz “Alô?!” em vez de imitar o som do toque do telefone. Supomos que isso se dê por associação.

Um dos estudos que mostrou que os papagaios não apenas repetem os sons como são capazes de compreendê-los foi com o Alex, um Psittacus erithacus que viveu de 1977 até 2008. A história da vida dessa ave lança alguma luz sobre a nossa pergunta – seriam as aves inteligentes?

Alex foi criado desde seu primeiro ano pela psicóloga Irene Peppeberg, pesquisadora das universidades Brandeis e Harvard. A longa “parceria” de Alex e Irene rendeu grandes avanços na área de cognição das aves e evolução da linguagem no cérebro.

O papagaio foi sempre estimulado, aprendendo grupos de palavras, pequenas contagens, formas e cores que ele colocava em categorias conforme o aprendizado. Ele falava mais de cem palavras e contava até seis começando do zero – e ainda estava aprendendo o sete! É um vocabulário maior do que o de alguns homens públicos de hoje em dia…

Por isso, Alex sempre se destacou nos ambientes científicos por onde passou. Existe uma série de relatos sobre sua notável “inteligência” que o mostra corrigindo outros papagaios no laboratório e instruindo-os a falar melhor sem gaguejar. Ou ainda, reclamando entediado dos pesquisadores por algum exercício aborrecidamente repetitivo e pouco estimulante.

Todo esse avanço, gerado com os 30 anos de ininterrupta “educação”, transformou Alex num papagaio genial, mas não chegou a torná-lo igual a uma criança pequena que já possui uma lógica básica e capacidade de generalização elementar.


Corvus

Outro exemplo de inteligência avifaunística é a família Corvidae, que possui os maiores indivíduos de toda ordem dos passariformes. Talvez seu tamanho influencie no fato de ser dotados de um aparelho cognitivo que proporciona fazer coisas que são supostamente sinais de inteligência.  Na literatura, os corvos são notoriamente considerados aves astutas, mesmo que na famosa fábula de La Fontaine, O Corvo e a Raposa, a astúcia fique com a raposa, e, ao final, o Corvo enganado jura que não o pegam mais naquele golpe, pois havia aprendido a lição.



Espalhados por toda zona temperada do planeta, algumas espécies são chamadas localmente de gralha. 
Aqui no sul do Brasil observamos a Gralha azul Cianocorax caeruleus.
Todos os tipos de Corvos mostram habilidades para resolver seus problemas de sobrevivência de forma verdadeiramente engenhosa e adaptada. Alguns Corvos urbanos que comem sementes difíceis de quebrar deixam-nas cair no meio do trânsito para que os carros as quebrem e depois vão buscar o conteúdo.

Eu desconheço, mas deve haver algum Alex entre os corvos-da-nova-caledônia (Corvus moneduloides), pois são os que se saem melhor em testes específicos de inteligência animal.


Vi um filme “científico” aparentemente verdadeiro e sem montagem, do qual infelizmente não me lembro da fonte ou da espécie de Corvidae, mas que mostrava um Corvo negro e grande acompanhando um homem na beira de um lago. Ele mostra um alimento ao pássaro, amarra num barbante e joga o alimento dentro da água. O Corvo observa toda a ação do homem que, em seguida, se afasta saindo de cena.

Após uns segundos olhando o homem, o barbante e o lago, o pássaro puxa o barbante várias vezes com o bico até chegar ao alimento que estava submerso e, portanto, supostamente fora das vistas ou inacessível.

Talvez por sua aparência escura, hábitos necrófagos e paladar pouco exigente, mesmo demostrando habilidades muito além da fala, eles são considerados portadores de maus presságios nas mitologias, e o mais famoso dos Corvos é aquele escuro e soturno da literatura que disse: Nunca mais! No cinema de Pasolini outro Corvo dá conselhos a dois franciscanos perdidos…

Mas é o papagaio novamente que nos faz pensar sobre a nossa questão inicial, depois de 30 anos de convivência com a pesquisadora, numa sexta-feira, na última noite de Alex neste planeta, um pouco antes de dormir, ele falou para Irene:

“Você é legal. Vejo você amanhã. Te amo.” 
Inteligência emocional?  

Neno Brazil
Ilha de Sta, catarina
julho 2012

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